segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Warashibe Choja /Uma lenda de Kannon


Kwan yin no Japão é conhecida como Kannon
Warashibe Choja


Texto: Claudio Seto


Há muitos e muitos anos atrás, na região de Yamato (hoje Nara), viveu um jovem de nome Yosaku. Ele era um lavrador sem-terra, por isso peregrinava de vila em vila ajudando outros agricultores e sobrevivia comendo vegetais que ganhava em troca de seu trabalho. Como era um trabalhador sem-teto, dormia em templos budistas dedicados a Kannon, a Deusa da Misericórdia.


- Deusa Kannon hoje trabalhei bastante e estou exausto. Como não tenho casa própria onde dormir, permita-me pernoitar mais uma vez em seu templo. Amanhã, por favor ajude-me a encontrar trabalho.


Após a oração, Yosaku estirou-se na varanda do templo e adormeceu cansado. Nessa noite ele teve um sonho fascinante. Irradiando uma luz dourada, a Deusa Kannon, apareceu ao seu lado e disse:


-Yosaku, você é rapaz admirável. Mesmo sendo pobre jamais queixou de sua condição e está sempre disposto a ajudar ou outros, sem se importar com pagamentos. Vou lhe conceder a graça de uma vida feliz. Amanhã vai cair casualmente em suas mãos algo que trará uma grande fortuna para você. Dizendo isso a deusa desapareceu.


No dia seguinte o rapaz saiu para procurar trabalho, tropeçou numa pedra no meio da estrada e foi de cara ao chão. Na queda sua mão caiu sobre algo.Era um pedaço de palha de arroz, Yosaku ia jogar fora, mas lembrou do sonho e guardou a palha e continuou caminhando pensativo:


-Não consigo entender como um pedaço de palha de arroz pode me deixar rico. Será que foi a essa palha que a misericordiosa Deusa Kannon se referiu?


Assim continuou caminhando pensativo. De repente um besouro veio voando aos zumbido perto de seu rosto. Yosaku tentou afastar o inseto com um galhinho de árvore, mas o besouro persistia em voar em sua volta. O jovem então apanhou o inseto e amarrou-o na extremidade de um pedaço de pau, com uma tira da palha que havia guardado no bolso. Assim espetou o pauzinho no chão e ficou vendo o inseto se debatendo para fugir. Então foi desfiando a palha de arroz e fez um círculo em torno de onde o bichinho estava amarrado. Curiosamente o besouro começou andar em círculo, contornando a palha, e tornou-se um passatempo divertido para os transeuntes daquela estrada.


Nesse momento ia passando um carro de boi muito rico e um menino, filho de nobre que estava nesse carro, disse ao velho conselheiro do palácio que acompanhava o cortejo.


-Quero aquele brinquedo para mim.


Yosaku que ouviu tudo, ofereceu o besouro amarrado ao garoto. Como retribuição, a dama de companhia do nobre garoto, deu a Yosaku três laranjas.


-Nossa, três laranjas deliciosas por um besouro e tiras de palha.


O jovem então amarrou as laranjas com a palha que sobrou num galho, botou no ombro e saiu andando. Pouco depois encontrou uma senhora distinta acompanhada por um criado. Ela estava lastimando sentada a beira da estrada.


-Ai que sede! Quero beber água, não agüento mais essa garganta seca. Vou desmaiar, água por favor.


O criado que a acompanhava disse que já havia percorrido toda redondeza e não encontrou nenhum poço ou riacho.


22:55(8 minutos atrás) Yosaku estendeu as laranjas para a senhora dizendo:


-Tenho essas laranjas, se servir para amenizar sua sede, sirva-se por favor.


A dama chupou avidamente as laranjas e sua palidez foi passando. Assim que estava totalmente recuperada, a senhora lhe agradeceu:


-Se o senhor não passasse por aqui com essas laranjas, a esta hora eu já estaria morta. Gostaria de recompensá-lo condignamente, mas aqui nada tenho além dessas peças de pano, por favor aceite como prova de minha gratidão.


Yosaku que nunca tinha visto peças de seda pura, ficou maravilhado.


-Nossa, três peças de seda por três laranjas, hoje é meu dia de sorte. Só pode ser obra da Deusa Kannon.


23:11(0 minutos atrás) O rapaz continuou a caminhada e cruzou com um samurai montado num garboso cavalo branco. Yasaku percebeu que o cavalo estava muito cansado, mesmo assim era um belo animal. De repente o cavalo dobrou as pernas e caiu exausto.


Os criados do samurai correram em socorro do animal, dando-lhe água e massageando seu pescoço, porém o cavalo não se mexia, ficando estirado como quem estava morrendo.


-Cavalo inútil, sacrifiquem esse animal perfurando seu coração com a lança - disse o samurai aos seus vassalos.


Yosaku que de perto assistia a cena, ficou penalizado com o destino do cavalo e pediu ao samurai.


-Honorável senhor, desculpe-me do atrevimento, mas peço que poupe a vida do cavalo, um animal tão bonito não merece uma morte sacrificada. Ofereço uma peça de seda em troca da vida dele.


-Ao contrário do que está imaginando, mandei sacrificar o cavalo para ele não ter uma morte lenta e agonizante. Apenas pretendia abreviar o sofrimento do animal. Mas se você faz questão de trocar a vida dele por uma peça de seda, aceito de bom grado. O animal fica sendo de sua responsabilidade.


Assim o samurai apanhou a peça de seda e seguiu em frente. Yosaku pacientemente deu água ao cavalo e ficou horas ao lado dele. Aos poucos o cavalo foi melhorando de aspecto e finalmente se levantou.


Yosaku montou no cavalo e seguiu sua andança rumo a capital. Quando passou perto de uma casa de agricultor trocou a segunda peça de seda por sela e rédea. Quando chegou a periferia de Heian-kyo (hoje Kyoto), então capital do Japão, trocou a terceira peça de seda por pousada, comida e roupa lavada.


No dia seguinte quando se preparava para entrar na capital, passou diante de um casebre e um homem estava se preparando sua mudança, colocando utensílios da casa em um grande carrinho puxado a mão.


-Que belo cavalo! Se eu tivesse um, minha mudança seria facilmente realizável. Disse o homem da casa.


-Quer comprar o cavalo? Perguntou Yosaku.


-Gostaria muito de adquiri-lo, mas, o pouco dinheiro que tenho, não posso gastar agora. Devo guardar para começar nova vida, bem distante daqui, com uma pessoa que está me esperando. Será que você aceita trocar o cavalo por essa modesta casa e esse terreno para plantar?


-Um terreno para plantar é tudo que sempre desejei!


Assim Yosaku tornou-se proprietário de terra na entrada da capital. Sua plantação de arroz cresceu maravilhosamente e ganhou fama. Quando era feito a colheita os nobres corriam para comprar o arroz da plantação de Yosaku. O moço trabalhou bastante e depois de alguns outonos, havia se tornado um fazendeiro abastado. Os andarilhos que rumavam a capital paravam para descansar em sua casa e sempre recebiam uma pelota de arroz e uma xícara de chá. Yosaku sentia prazer em ajudar as pessoas e fazia questão de contar sua história, para transmitir sua fé na Deusa Kannon.


Por causa de sua bondade passou a ser chamado carinhosamente de Warachibe Choja (Milionário da Palha de Arroz) pelas pessoas que passavam por sua casa.


Claudio Seto, 60 anos, foi ao Japão quando tinha nove anos para estudar no Templo Myoshinji, da seita Zen, em Quioto. Após três anos, prosseguiu seus estudos religiosos e de cultura japonesa em Kyushu, no monte Ehiko-san, no templo de mesmo nome, pertencente à seita Shugêndô. No período em que ficou no Japão, Seto mergulhou na história do Japão e aprendeu muitas artes como: haiku, tanka, shodô, kadô, kendô, ninjutsu, mangá, kyudô e bonsai. Ao voltar ao Brasil, com 17 anos, Seto trabalhou como argumentista e desenhista de história em quadrinhos em São Paulo, editor de revistas em Curitiba, chargista, ilustrador e editor. Atualmente trabalha também nos jornais Tribuna do Paraná e O Estado do Paraná. É editor do Jornal Garça da Sorte e da revista Planeta Zen.

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