quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A COMPAIXÃO É A RAIZ DE TODAS AS PRÁTICAS




por Sua Santidade, o 17° Gyalwang Karmapa
O Buda apresentou os três cestos como veículos para seus ensinamentos. Os ensinamentos que estes cestos continham são conhecidos como os três treinamentos. Todos esses ensinamentos são baseados em evitar causar danos aos outros e em ajudar os outros. É, por isso, de grande importância para os budistas ter estes dois princípios como base de suas práticas. As raízes da prática budista são as atitudes de altruísmo e de não prejudicar os seres. Em outras palavras, as raízes da prática budista são a bondade amorosa e a compaixão.
Dentre essas duas qualidades, acho que a compaixão é a principal: em geral, nós desenvolvemos a bondade amorosa apoiados na compaixão. No começo, então, a compaixão é, em certo sentido, mais importante. Nossa compaixão deve ter um largo escopo, não apenas incluindo a nós mesmos mas também todos os seres sencientes.
Por que a compaixão precisa incluir todos os seres sencientes? Porque todos os seres sencientes, nós mesmos e os outros, queremos ser felizes e livres de sofrimento. Esse desejo básico é o mesmo para todos. Mesmo assim a maioria dos seres sencientes que podemos ver atualmente experimentam apenas o sofrimento; não conseguem obter a felicidade. Assim como temos o desejo de afastar todo o sofrimento de nossa própria experiência e de desfrutar de felicidade, através da meditação na compaixão conseguimos ver que todos os outros seres também possuem esse mesmo desejo. Então os outros seres não são apenas dignos de nossa compaixão, eles são também a causa que torna possível nossa própria meditação na compaixão.
De acordo com os ensinamentos Mahayana, todos os seres sencientes são "nossos pais do passado, presente e futuro". Isso quer dizer que, de todos os seres sencientes, alguns foram nossos pais no passado, alguns são nossos pais atuais e alguns serão nossos pais no futuro; não existem seres que não sejam, afinal, nossos pais. Por essa razão, todos os seres sencientes têm uma conexão de afeição dirigida a nós. Eles têm uma conexão de bondade dirigida a nós. Estes pais bons e afetuosos estão presos a um estado de sofrimento, incapazes de realizar seus desejos de felicidade. É crucial para nós começarmos a meditar na compaixão por eles, nesse exato momento. Acho que isso explica muito claramente porque é necessário incluir não apenas o benefício para nós mesmos, mas também o benefício para os outros no propósito de nossa meditação na compaixão.
Quando praticamos a meditação na compaixão, não é suficiente que nós apenas sintamos uma sensação compassiva em nossas mentes. Precisamos levar nossa meditação na compaixão ao nível mais profundo que for possível. Para tornar nossa compaixão tão profunda quanto possível, refletimos sobre o sofrimento dos seres sencientes nos seis reinos do samsara. Estes seres sencientes que estão passando por um sofrimento tão intenso são os mesmos seres que são nossos bondosos pais do passado, presente e futuro. Em resumo, todos estes seres sencientes são indivíduos com quem estamos conectados.
Então, estando conectados a todos estes seres, se torna possível para nós aprofundar nossa conexão com eles e levar a eles benefícios. A conexão mais excelente que seria possível fazer seria cultivar o coração da compaixão por eles e pensar em maneiras de reduzir seus sofrimentos. Refletindo sobre nossa conexão com esses seres, podemos gerar uma compaixão que não pode suportar que seus sofrimentos continuem por nem mais um instante. Essa grande, insuportável compaixão é extremamente importante. Sem ela, poderíamos ser capazes de sentir de vez em quando uma sensação compassiva em nossas mentes, mas essa sensação não iria dar origem ao completo poder da compaixão. Ela não poderia formar a base de uma prática abrangente.
Por outro lado, uma vez que a compaixão insuportável tenha nascido em nossos corações, vamos imediatamente nos sentir compelidos à ação altruísta. Vamos automaticamente começar a pensar sobre como podemos liberar os seres sencientes do sofrimento. Então, a maneira de gerar o altruísmo é através da meditação na compaixão. Quando nossa compaixão se torna genuína e profunda, nossa ações para o benefício dos outros vão surgir sem esforço e livres de dúvidas. É por isso que é tão crucial para nós aprofundarmos nossa prática de compaixão até que nossa compaixão se torne insuportável.
Diferentemente de nossa abordagem costumeira da compaixão, quando meditamos de vez em quando sobre a noção abstrata de que os seres sencientes experimentam o sofrimento, a compaixão insuportável penetra nossos corações e os mobiliza. Se presenciássemos alguém preso em um fogo devorador, não iríamos protelar nossa ajuda àquela pessoa. Naquele mesmo momento, iríamos imediatamente começar a planejar e colocar em prática formas de extrair essa pessoa daquele fogo. Da mesma forma, com a compaixão insuportável, assistimos ao sofrimento de todos os seres sencientes dos seis reinos e imediatamente procuramos formas de livrá-los desse sofrimento. Não apenas tentamos verdadeiramente livrá-los do sofrimento; estamos também completamente dispostos a superar quaisquer obstáculos que possamos encontrar nessa tarefa de libertá-los. Não seremos abalados por complicações ou dúvidas.
Todos os seres sencientes têm a compaixão básica. Mesmo pessoas que geralmente consideramos como tendo um mau temperamento têm compaixão; eles simplesmente não levaram a sua compaixão básica a um nível mais refinado. Se pessoas com mau gênio não tivessem nenhuma compaixão, seria impossível para eles desenvolver suas compaixões através da prática no caminho. Todos os seres têm compaixão, mas suas portas para o domínio da compaixão ficaram, até agora, trancadas. Então mesmo que possa parecer que algumas pessoas não têm nenhum tipo de compaixão, todos têm ao menos uma pequena semente de compaixão. Essa pequena semente pode crescer até se transformar em uma grande compaixão; o potencial que todos temos para uma grande compaixão pode ser tornado manifesto.
Apesar dos grandes e nobre seres poderem fazer brilhar a completa extensão de seus potenciais de compaixão, nós, seres comuns, não conseguimos. Apesar de termos a semente da compaixão, não temos a compaixão que queremos. Exatamente quando precisamos mais da compaixão, não temos acesso a ela; a porta de nossa compaixão está trancada.
Para tornar forte nossa compaixão e para fazer nossa semente de compaixão amadurecer, precisamos do caminho. Quando entramos no caminho da compaixão, começamos a nos conectar com a compaixão de que precisamos para que possamos ajudar os outros, e começamos a desenvolver a compaixão de que precisamos para atingir a iluminação. Já temos a compaixão, bodichita, sabedoria e muitas outras qualidades positivas, no entanto nossas aflições mentais são muito mais fortes do que elas durante a maior parte do tempo. É como se as aflições tivessem trancado todas as nossas qualidades positivas em uma caixa.
Um dia, quando abrirmos aquela caixa e todas as nossas boas qualidades forem libertadas, não teremos mais que ir procurar pela nossa compaixão. Ela não está disponível para ser comprada em nenhum lugar. Vamos descobrir que a compaixão está espontanemente presente em nossas mentes. Um tesouro de excelentes qualidades ficará disponível para nós.

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