domingo, 10 de março de 2013

A Deusa Branca



O Monge
Uma bela manhã, pelas nove o meu telefone móvel acorda-me. Era o meu grande amigo de peito Kenneth Lau, um Chinês de Hong Kong, na altura o diretor-geral da Sybase, na antiga Colônia Britânica.
- Fortunato! Estou em Macau, cheguei esta manhã. Preciso que venhas ter comigo urgentemente ao Templo Chinês da Taipa - Diz-me ele com um ar preocupado.
- Wake-up man... it's urgent my friend - Continua ele.
Mau-mau, lá vem confusão e ainda nem sequer acordei, pensei eu.
- Ok, dá-me meia hora e vou já ter contigo - Digo-lhe ao mesmo tempo em que rastejo para fora da cama.
Não sei como acordei, outra vez, na casa de banho quando me vi ao espelho e aí comprendi que tinha de tomar banho ao mesmo tempo em que lavava os dentes e me vestia. Meti-me no meu carro azul-escuro e às dez menos um quarto entrei no Templo Budista da Taipa do Território de Macau.
- Bom Dia Kenneth, como vais meu amigo - Atiro eu enquanto lhe aperto a mão.
- Tudo bem, mas preciso que me ajudes a realizar um desejo, um sonho que tenho desde o ano passado - Diz-me o meu amigo Kenneth com um sorriso, ele já adivinhava o que eu ia dizer.
- Kenneth, acordas-me às nove da manhã para realizar sonhos? Os sonhos só se realizam depois das nove da noite - Digo-lhe eu com ar malicioso, ele inteligente como é topou logo a piada e sorriu.
- Ok, anda comigo - E lá segui eu atrás dele, por um labirinto estranho de escadinhas, patamares, varandas, pequenos mausoléus, muros, pórticos, pequenos canteiros, plantas, árvores,... um Mundo estranho de arestas arrebitadas para o céu de cores berrantes e alegres onde o vermelho vivo predomina em contraste com o lindo verde da vegetação.
O Templo da Taipa é na realidade um bonito jardim junto do sopé de um verde monte, urbanizado segundo a típica construção milenar dos mausoléus e monumentos Budistas. Sendo a entrada pela rua que vai do Hotel Hyatt para o Macau Jockey Club.
Depois de muito subir e descer dou comigo e o Kenneth parados a olhar para uma bela estátua feita de mármore branco com cerca de um metro e meio de altura.

A bela Deusa está em cima de um pedestal circular com quarenta centímetros de altura rodeada por belos vasos com plantas. Tem um olhar sereno um rosto alongado, uns belos olhos asiáticos, grandes e rasgados. A beleza do vestido comprido e do cabelo em mármore branco completam-se com duas elegantes mãos, onde os dedos se estilizam em bonitas e simbólicas posições Tauistas.
- O que achas dela? Vês alguma coisa que te surpreende? - Pergunta o meu amigo.
- Oh Kenneth, acordas-me às nove da manhã para me perguntar isto? - Digo eu, e continuo...
- Ok, tem três dedos partidos na mão esquerda, o polegar, o indicador e o do meio - Um silêncio profundo invadiu tudo à nossa volta por vários minutos.
Eu sou Cristão Católico, o meu amigo é Budista. O respeito que tenho por todos os povos e crenças levou-me a nada dizer e a calmamente compreender a profundidade e a beleza da sensibilidade do meu grande amigo Chinês, Kenneth Lau. Aquele silêncio de um par de minutos sintonizou-nos para o mesmo problema e a pureza de pensamentos invadiu-nos por uma vaga tristeza. Eu senti-me impotente perante o fato dos dedos não estarem lá...
- Eu e tu vamos colocar os dedos na estátua desta Deusa Chinesa - Disse o Kenneth sem tirar os olhos da bela mulher de mármore branco.
- O quê?... Como é que queres fazer isso? - Eu fiquei sinceramente preocupado porque sabia que ia sobrar para mim...
- Eu mal falo Cantonense, como queres que eu te possa ajudar?
- My Friend, o ano passado ganhei muito dinheiro. Desde criança que todos os anos venho a este Templo Chinês em Macau, adoro esta Deusa, e fico triste quando a vejo sem os dedos. Como tu és o meu grande amigo aqui em Macau, embora não sejas Chinês pensei que tu e eu podíamos fazer uma boa ação juntos. A nossa velha amizade ficaria marcada por este Tratado Secreto entre nós os dois - Disse ele já a brincar.
Eu fiquei calado, a sorrir para ele, ao mesmo tempo em que abanava negativamente a cabeça. Realmente era um gesto de extrema beleza, a amizade entre nós os dois iria ficar selada para sempre se conseguíssemos concretizar este sonho do Kenneth.
- Vamos a isso Kenneth, o que é que tenho de fazer? - Disse eu, com coragem.
- Primeiro, temos de convencer o Monge Budista do Templo a deixar-nos colocar os dedos na estátua - O Kenneth mostrou preocupação e com razão.
Levamos cerca de uma hora para encontrar o Monge Budista. Subimos e descemos escadarias e por fim lá descobrimos o velho Monge responsável pelo Templo.
Um castiço Chinês, incrível. Baixinho, de pernas arqueadas, fato de karaté preto, como umas meias brancas até ao joelho, mocassins onde o polegar fica separado. Parecia ter sido retirado de um livro de história antiga do império Chinês.
O Kenneth fez uma vênia e ajoelhou-se, eu fiz a vênia e como estava mais atrás fiquei à espera. O velho monge tocou no ombro do Kenneth e este levantou-se.
Falaram, falaram, em Mandarim, depois em Cantonense. Eu não percebi nada, a não ser o NÃO na boca do Monge. E comecei a ver o meu amigo a ficar desesperado. Meia hora de conversa e nada.
- Acho que não vamos conseguir - Diz-me o Kenneth com um ar deprimido - O Monge diz que quando a estátua veio da China aqui para Macau, já lá vão vária dezenas de anos, a Deusa já não tinha os dedos.
Realmente, era um argumento de peso. E aí eu tive uma ideia:
- Kenneth, pergunta-lhe lá se o artista que fez a estátua, a fez sem os dedos? - Disse eu, sabendo de antemão que para qualquer pessoa racional não havia hipóteses perante este argumento.
E assim foi, o velho Monge Budista depois de ouvir o Kenneth, respirou fundo e depois de uma breve pausa, concordou.
O meu amigo ficou radiante. Despedimo-nos do velho Monge que nunca nos mostrou um sorriso. Mas, depois de duas vênias, eu não resisti, apanhei-lhe a mão e dei-lhe um aperto de mão. Moral: um BOM aperto de mão faz sorrir os Monges Budistas que nunca sorriem...




Um Típico Almoço Tradicional Chinês... Verde Gelado
E lá fomos os dois, muito satisfeitos, almoçar num velho restaurante Tradicional Chinês no Porto-Interior de Macau, onde raramente ocidentais entram, pois não sabem o que encomendar nem os pratos são muito do gosto dos estrangeiros.
Além disso, desde o cardápio até aos empregados só se fala Chinês.
Antes compramos três garrafas de vinho-verde Português bem gelado num supermercado, um bom truque que eu ensinei ao meu amigo Kenneth... de preferência Aveleda, Casal Garcia. E no restaurante os empregados - tudo gente com mais de cinquenta anos e vestidos a rigor - sabiam o que era um balde de gelo... perfeito.
O cardápio foram uns dez ou doze pratos diferentes, iguarias diversas e únicas, tradicionais de Fujian uma conhecida província Chinesa, de onde os donos eram oriundos, aliás, o velho dono já era amigo do pai do Kenneth Lau.
Omelete de vermes, camarão frito, lagosta quente picante, cobra frita, brócolis fritos com vieiras,... coisas difíceis de definir. Mas de sabores fortes e que entram a matar com o vinho verde.
Um ambiente de fraca luz avermelhada vinda do teto de lindos globos franjados, com os menus escritos nas paredes em bonita caligrafia Chinesa, uma música suave de acordes orientais e um ótimo ar-condicionado em contraste com o calor infernal e a umidade, típicos do Sul da China. Comemos no primeiro andar.
Eu e o Kenneth juntos, levamos normalmente umas duas horas a comer.
A sobremesa foi fruta fresca, melancia, melão, papaia, manga.
Depois saímos e fomos ao remate final, uma Bica e um Conhaque num café Português.
Aí pelas cinco horas da tarde fui levar o Kenneth no meu carro-azul ao Terminal de Jetfoils para Hong Kong.






Uma Deusa Feliz
O velho Monge deu-nos uma condição: os dedos teriam de ficar exatamente da mesma cor, serem perfeitos e não se podiam notar fissuras, ou qualquer sinal de que não eram os dedos originais.
Uma semana depois, fui para a China, passei a fronteira e fui para o Continente Chinês para a província Chinesa colada à Península de Macau, Zhuhai.
Aí, em conjunto com um velhote Chinês meu empregado, o senhor Lou, andamos dois dias a visitar Cemitérios Chineses e onde finalmente descobrimos um artesão de mármore, especialista em campas de cemitério, o senhor Lam.
O senhor Lou explicou o que pretendíamos. Dias depois lá estávamos nós já em Macau: os senhores Lou, Lam e eu no Templo em frente à Deusa para se definir exatamente o que se pretendia.
Um mês depois, o trabalho estava feito... e perfeito!
Nesse dia, o Kenneth veio a Macau e lá fomos os dois ver o fruto do sonho dele e do meu empenho.
Olhamos talvez uns cinco minutos para a Bela Deusa Branca.
O Kenneth comoveu-se de felicidade e eu fui atrás da sua comoção, nem sei por que, talvez por instinto ou por sentir as emoções que lhe iam à Alma?
Depois ele perguntou-me quanto tinha custado o trabalho. Eu, como era óbvio, não queria que ele pagasse, mas ele não queria que o custo fosse só meu.
Bom... tivemos que dividir as custas ao meio.
E a nossa Amizade Ocidental-Oriental ficou mais forte e selada para sempre.
Depois de virarmos as costas, a Bela Deusa Branca, deve ter sorrido de felicidade, para todo o sempre...


Fonte: http://www.fitinizini.com/ tradução livre: SilviaMontone

2 comentários:

  1. Adorei a história que fizestes da deusa Tara, foi um lindo presente de aniversário para minha melhor amiga Lisete Escobar!

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  2. Adorei a bela história que fizestes que serviu de presente de aniversário para minha melhor amiga, Lisete Escobar.

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